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Parece que não deu para BeReal e Koo, mas talvez dê para o Mastodon

Celebradas como alternativas ao Instagram e X, as duas redes não conseguiram fazer frente às incumbentes traçando o mesmo caminho delas

Parece que não deu para BeReal e Koo, mas talvez dê para o Mastodon

Dinheiro de sobra, juros baixos, deslizes frequentes das big techs, a boa e velha concorrência. Esses e outros motivos culminaram, na primeira metade dos anos 2020, no lançamento de plataformas sociais que prometiam ser o que as incumbentes — em especial Instagram e X — não podiam ou estavam deixando de ser.

As promessas de BeReal e Koo não resistiram por muito tempo, porém.

Nesta semana, a BeReal foi vendida por € 500 milhões à Voodoo, uma desenvolvedora de jogos e apps para celulares… questionáveis. Alexis Barreyat, que fundou a BeReal em 2019, seguirá “envolvido” no negócio, segundo o Financial Times, mas não como CEO. O cargo passa a ser de Aymeric Roffé, que estava à frente de outro app social da Voodoo, o Wizz.

Sediada na França, a BeReal passou o último ano desmentido rumores de que sua base de usuários havia estagnado e lançando novidades para reavivar o interesse no app sem corromper sua proposta de ser uma rede que não vicia.

No comunicado à imprensa da aquisição, a Voodoo afirma que a BeReal tem 40 milhões de usuários ativos no mundo inteiro.

Posicionado como uma espécie de anti-Instagram, o BeReal explodiu em 2022 com a proposta de notificar seus usuários uma vez por dia, dando a eles 2 minutos para postarem uma imagem “espontânea”, pré-requisito para ver fotos das outras pessoas.

Apesar de original, a ideia era simples, fácil de ser copiada por rivais. E foi, pelos principais — Instagram, da Meta, e TikTok.


Longe dali, na Índia, a Koo, rede social que tem como apelo o suporte a múltiplos idiomas e dialetos — um desafio peculiar ao país mais populoso do mundo —, passa por maus bocados.

A reportagem da Rest of World ouviu dez funcionários e ex-funcionários da rede social que relataram estagnação e dúvidas quanto ao futuro da Koo.

A ascensão da rede, fundada por Aprameya Radhakrishna e Mayank Bidawatka em 2020, beneficiou-se da troca de farpas entre a subsidiária local do então Twitter (hoje, X) e o governo de Narendra Modi. Em 2021, o Twitter se negou a remover posts e perfis críticos a Modi. A resistência levou a uma batida policial nos escritórios do Twitter e a um contra-ataque da empresa estadunidense, que levou o caso à Justiça indiana.

O episódio coincidiu com uma agenda governamental de promoção de startups locais. Essas coincidências e o flerte da Koo com políticos ligados a Modi deram à rede uma pecha de direitista que, segundo especialistas ouvidos pela Rest of World, ainda se faz presente e pode ajudar a explicar a estagnação do negócio.

O maior entrave da Koo, porém, é que ela é muito parecida com o X e outras plataformas já estabelecidas. Salvo pela piada pronta no Brasil, que levou a Koo a ser a alternativa oficial ao X por dois ou três dias, é meio difícil justificar a troca de seis por meia dúzia.

A seca de capital de investidores em 2023 freou as ambições da Koo. Somada à pressão por retorno de investidores que já haviam embarcado no negócio, a nova realidade é de pressão por geração de receita em detrimento de crescimento e demissões em massa — 30% da força de trabalho foi mandada embora em três rodadas, segundo a imprensa local.

No auge, em julho de 2022, a Koo chegou a ter 9 milhões de usuários ativos.


As dinâmicas do mercado desafiam a razão, mas explicam por que plataformas com tanto dinheiro e milhões de usuários fracassam.

Os casos de BeReal e Koo servem de alerta para quem deseja alternativas reais ao X e ao Instagram: reinventar a roda não é a solução.

O Mastodon, trabalho de uma organização sem fins lucrativos baseada na Alemanha e Estados Unidos e baseado no protocolo aberto ActivityPub, passou ao largo dessas crises. Nunca levantou capital de risco e, mesmo com poucos usuários (7,3 milhões ao todo, sendo 811 mil ativos), está… tudo bem?

Quem usa, está satisfeito. Quem desenvolve, idem. Quem financia — pessoas comuns via Patreon e alguns governos com doações a fundo perdido —, também.

A única pressão que existe é para tornar o software melhor e as interações na plataforma, mais agradáveis. Não há métricas cujo fracasso em atingi-las é encarado como ameaça existencial.

O modelo do Mastodon traz outra vantagem: é uma espécie de blindagem contra a já célebre “enshittification”, processo de deterioração intencional a fim de extrair até a última gota de receita por que passam produtos e serviços comerciais.

Rodrigo Ghedin

Rodrigo Ghedin

Comunicólogo e jornalista. Fundador e editor do Manual do Usuário, um blog sobre os impactos da tecnologia no nosso comportamento. Interesso-me por por tudo que nos faz humanos. Freelancer no Núcleo.

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